sábado, 8 de junho de 2013

O GOZO DA COPA

A maioria dos torcedores não pensa sobre o futebol. Estão aí José Maria Marin, presidente da CBF, Carlos Alberto Parreira e Felipão, nossos homens para a Copa de 2014. Salvo alguns cronistas, ninguém reclamou. Por quê?
Primeiro, porque o futebol é uma forma de gozo: ganhar e perder são contingências que nos fazem gozar. Me explico. Um torcedor que vai ao estádio torcer pelo seu time sabe que ele pode ganhar ou perder. Se tivesse a certeza de ganhar, acabaria perdendo a graça; se tivesse a certeza de perder, idem. Essa possibilidade de ganhar ou perder, esse jogo entre satisfação e frustração, tem vários nomes. Na psicanálise, que tem ajudado a história em muitos pontos,  o nome desse jogo é Desejo (com maiúscula para distinguir das conhecidas formas de desejo). Desejar é jogar um jogo que nunca satisfaz, você vai querer sempre jogar, isto é, ganhar e perder. Esse é o jogo que faz gozar o torcedor.
Usando a teoria do jogo, Umberto Eco analisa o nosso gozo com a música. Ele seria feito pela certeza de que vamos ouvir o acorde (ou letra) não vir. Ganhamos o acorde (ou letra) mas podemos perdê-lo: esse é o gozo da música. Tanto que a música acidental, ou uma canção ouvida pela primeira vez, sem que você saiba oque vai se seguir, não produz prazer ou gozo algum. Daí, também, que a chamada música popular tenha acordes (e letras) repetitivas. A repetição, com a possibilidade de que não se repita, é a natureza do prazer com a música.
Quero dizer com essa especulação (ou conversa fiada) que  é melhor deixar o torcedor com a sua chupeta.
Mas nós que  pensamos o futebol, além de amá-lo, desejamos diversas vezes que a seleção do Brasil perdesse. Torcemos contra as seleções de Castelo Branco, de Médici e de Figueiredo: era um meio gozo, já que não desejávamos que elas ganhassem. O gozo pleno era estragado pela razão política. O do torcedor, não: ele experimentava um orgasmo por jogo. Orgasmo é isto: sou e não sou, ganho e perco, possuo e não possuo, sou eu e meu ídolo, vivo e morro, ao mesmo tempo. Na língua francesa, orgasmo é chamado de pequena morte.
Nós que pensamos o futebol, além de amá-lo, não temos como torcer pela seleção de Marin, financiador da tortura, Parreira, tecnocrata arrivista, Felipão, admirador de Pinochet. Só falta Zagalo, preferido da ditadura.
A gestão do futebol virou isto: dinheiro e corrupção a rodo, estímulo inconfessado à violência, elefantes brancos no lugar dos bons e  cômodos estádios (o Maracanã, o do Vasco, o Morumbi, o do Palmeiras, e assim por diante). Sempre houve isso, é verdade. Só que hoje, com o advento da indústria cultural e a mais-valia espetaculoísta é aí, principalmente, que o capital se reproduz e se acumula. Quando uma coisa, qualquer coisa, vira espetáculo começa a existir e gera lucro. Todas as anteriores formas de lucrar viram brincadeira de criança.
(Joel Rufino é historiador e escritor)

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