quarta-feira, 18 de novembro de 2015

VÍDEOS: guerra contra as pessoas

Pedro Miguel
A resposta será impiedosa, sentenciou François Hollande, na mesma noite de sexta-feira, quando ainda nem se escutava das ambulâncias em Paris. A reação chegará ao mesmo nível dos ataques, segundo o primeiro-ministro Manuel Valls. No dia seguinte, um enxame de aviões deixou cair umas vinte bombas sobre territórios dominados pelo Estado Islâmico, na localidade síria de Raqqa – que já havia sido atacada por estadunidenses e russos.
 
A mídia ocidental assegura que os hospitais não informaram sobre baixas civis decorrentes dessa ação, mas vários vídeos surgiram mostrando o contrário. A organização pró-ocidental “Raqqa está sendo massacrada em silêncio” informou no sábado e no domingo, via Twitter, que cerca de trinta ataques foram realizados no bairro de Al Hason (onde morreram cinco pessoas, incluindo uma menina), onde estão o edifício da Corte Islâmica, a sede do corpo de bombeiros, o estádio de futebol da cidade, um museu e um hospital. Se a resposta ordenada por Hollande ainda não causou mortos civis, certamente provocará em breve, porque está pensada para ser tão terrível quanto os ataques contra os locais públicos parisienses da semana passada, e porque não há como destruir uma cidade com bombas, como quer fazer a França, sem matar pessoas inocentes. A guerra é assim.

O que não fica muito claro é a conformação dos bandos nesta guerra. É verdade que os Estados Unidos, a Rússia, o Irã e a França se encontram do mesmo lado, contra o Estado Islâmico, mas Washington quer acabar com o governo sírio, enquanto Teerã e Moscou pretendem salvá-lo. Estados Unidos, Irã e Rússia querem também fortalecer o regime do Iraque, mas Obama mantém intactos os vínculos do seu país com a Turquia e a Arábia Saudita, que há tempos são dois dos mais conhecidos patrocinadores do Estado Islâmico.

A França, por sua parte, mantém uma ofensiva militar antiterrorista de 12 mil efetivos, centenas de veículos e dezenas de aviões na Mauritânia, Mali, Niger, Chade e Burkina Faso, além dos bombardeios na Síria.

Para maior confusão, as organizações armadas fundamentalistas tampouco se caracterizam pela unidade: o Estado Islâmico sofre a oposição do Jadhat al Nusra, grupo ligado à Al Qaeda, da milícia xiita Hezbollah (respaldada por Teerã), e de uma aliança denominada Frente Islâmica, inimiga de Bashar Al Assad e apoiada por Washington.

Ou seja, não estamos numa guerra entre cristãos e muçulmanos, nem diante de um novo conflito Leste-Oeste, nem nada parecido. Os que mais se parecem entre si são os inocentes massacrados, tanto na Síria quanto na França –por mais que os segundos tenham um nível de vida muito superior ao dos primeiros –, e os líderes dos países e das facções envolvidas. Por sua parte, Obama, Putin, Hollande e Valls parecem estar empenhados em apagar todas as diferenças entre eles e os líderes do Estado Islâmico – Abu Bakr al Baghdadi, Abu Muslim al Turkmani, Abu Ali al Anbari, entre os mais conhecidos – mediante golpes com a mesma carga de brutalidade que a das agressões recebidas.

Esta é uma guerra contra as pessoas, e a melhor forma de atiçá-la é cair nos alinhamentos preconcebidos, nas piedades industrializadas e na armadilha do desprezo xenofóbico ao sofrimento dos demais. As vítimas de Paris não estão competindo com as da Síria, nem com as do Líbano, nem com as de Ayotzinapa, e tampouco há motivo para perder a humanidade até o ponto de negar aos demais a empatia comum com as vítimas inocentes em nome de uma suposta solidariedade com os palestinos, ou os estudantes mexicanos mortos no ano passado. Os bandos passam por cima das fronteiras e podem se definir assim: aqueles que possuem as armas e aqueles que estão sob a ameaça delas.

Tradução: Victor Farinelli


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