sexta-feira, 14 de outubro de 2011


Previdência complementar do servidor em urgência constitucional

Antônio de Queiroz
“Se não houver um recuo do governo ou mudanças significativas no texto, a previdência complementar porá fim à aposentadoria integral do servidor”
O projeto de lei que institui a previdência complementar e cria o fundo de pensão dos servidores públicos passou a tramitar em regime de urgência constitucional, conforme mensagem da presidente Dilma enviada ao Congresso, pela qual a matéria deverá ser apreciada em 45 dias sob pena de bloqueio da pauta do plenário.
A condução desse tema pelo governo não tem sido das melhores, por várias razões.
Em primeiro lugar pela incoerência de reduzir receita e aumentar despesa num momento em que o governo promove um duro ajuste fiscal, com o congelamento do salário de servidores, não contratação de concursados e o adiamento ou suspensão de concursos públicos este ano.
Em segundo lugar pela afronta que a transformação do projeto em lei representa para os servidores públicos, incluindo o modo como a matéria foi conduzida na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público.
Em terceiro porque o governo não se entende sobre o assunto, com uma parte abrindo negociações com os servidores, como no caso da Secretaria-Geral da Presidência, que inclusive realizou seminário conjunto com o fórum que representa as carreiras exclusivas de Estado, o Fonacate, e outra parte, no caso o Ministério da Previdência Social, solicitando urgência para votação do projeto.
Em quarto lugar porque o fundo oferta o pior dos planos de benefícios, que é o de contribuição definida, exatamente aquele cujo risco é todo do participante e a complementação da aposentadoria depende do resultado das aplicações financeiras, sem qualquer solidariedade do patrocinador.
Se ao menos garantisse o plano de benefício definido, que assegura ao participante a complementação contratada, independentemente de oscilações e crises no mercado financeiro. No momento da aposentadoria, por esse plano, o servidor terá assegurada a complementação contratada, ainda que ao longo do tempo tivesse variação em sua contribuição e na do patrocinador, para maior ou para menor.
Na Previ do Banco do Brasil, por exemplo, não apenas os funcionários com planos de beneficio definido estão há anos sem contribuir, pela excelente situação do plano, como
têm recebido parcelas do superávit do fundo. Mas esses funcionários ingressaram na previdência complementar num período em que o marco legal era outro e o patrocinador podia, sem qualquer impedimento, contribuir com quantas vezes quisesse mais que o participante.
E em quarto, isto é mais grave, com manipulação de informações.
As simulações apresentadas pelo Ministério da Previdência em defesa do projeto, segundo informações seguras, não consideram a paridade de contribuição, de 7,5% do participante e 7,5% do governo .
O cálculo apresentado considera 7,5% do governo, como patrocinador, e 11% do servidor público, como participante. Isso não é correto. Se a simulação fosse paritária, com o limite de 7,5% de cada, a complementação seria irrisória.
A Anfip – Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, fez o cálculo com as contribuições paritárias, de 7,5% cada (participante e patrocinador), e chegou à conclusão que o servidor que contribuir durante 35 anos terá direito a uma complementação de 80% de sua última remuneração pelo prazo máximo de onze anos.
Como em nosso sistema previdenciário as mulheres se aposentam cinco anos mais cedo do que os homens, tanto em idade quanto em tempo de serviço, elas terão que trabalhar pelo menos cinco anos a mais para poder usufruir por onze anos do benefício complementar. Se for professora terá que trabalhar mais dez anos ou receber um benefício complementar insignificante.
Em outras palavras, um servidor (homem ou mulher) que se aposentar aos 60 anos de idade e 35 de contribuição só terá sua complementação até os 71 anos, passando, após essa idade, a viver exclusivamente com o benefício do regime próprio, que fica limitado ao texto do INSS, atualmente de R$ 3.689,66.
Não bastasse tudo isto, ainda existe a suspeita de que o projeto pode favorecer o mercado financeiro, já que o artigo 15 do substitutivo aprovado na Comissão de Trabalho prevê a contratação de instituições financeiras para administrar a carteira de valores mobiliários, podendo cada contratada aplicar até 40% de todas as reservas e recursos garantidores do plano de benefício.
O projeto, que ainda deveria passar por três comissões – Seguridade; Finanças e Tributação, e Constituição e Justiça – poderá ser votado em plenário a qualquer momento. Se não houver um recuo do governo ou mudanças significativas no texto, a previdência complementar será aprovada com todas essas implicações e porá fim à aposentadoria integral do servidor.
Antônio de Queiroz
* Jornalista, analista político, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), colunista da revista Teoria e Debate, idealizador e coordenador da publicação Cabeças do Congresso. É autor dos livros Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis e Por dentro do governo – como funciona a máquina publica.

ENTREVISTA: Antônio Queiroz - Diretor do Diap
O que representa o PL 1992/07 para os servidores públicos, mas especificamente os federais?
QUEIROZ - Representa, na prática, a privatização da previdência do servidor. Com a adoção da previdência complementar, o regime próprio limitará os benefícios ao teto do regime geral, a cargo do INSS, e eliminará o direito à aposentadoria integral. Atualmente o texto do INSS é de R$ 3.689,66, o que corresponde a 6,77 salários mínimos. Como o salário mínimo tem tido aumentos reais, mantida a política de valorização do mínimo sem repasse para os benefícios previdenciários, brevemente o teto do INSS equivalerá a algo como três salários mínimos, que era exatamente a proposta do mercado para a previdência pública.

O projeto passou pela Comissão de Trabalho a Câmara, mas ainda falta ser apreciado por outras comissões técnica antes de seguir para votação no plenário. Existe a possibilidade da rejeição do PL?
QUEIROZ - A possibilidade de rejeição é remota. O máximo que se poderá conseguir será alguns pequenos ajustes, nada que modifique substancialmente a proposta. Aliás, o governo vai pedir urgência constitucional para que a matéria seja votada diretamente no plenário nos próximos 45 dias.

Qual o modelo de previdência ideal para o funcionalismo?
QUEIROZ - O atual, do regime próprio, que garante aposentadoria integral e com paridade. No caso de adoção da previdência complementar, se o plano ofertado fosse de benefício definido, no qual há solidariedade entre participante e patrocinador e o servidor saberia previamente quanto iria receber de complementação, seria menos pior. Mas o plano ofertado para os servidores no PL 1992 é exclusivamente o de contribuição definida, que é aquele em que o servidor sabe com quanto contribui hoje, mas não tem a menor ideia de quanto terá de complementação no momento da aposentadoria. Seu benefício dependerá de uma série de fatores sobre os quais o servidor não possui controle. Por exemplo, depende da rentabilidade das aplicações, depende de competência gerencial dos diretores do fundo de pensão, depende do valor da contribuição, que apenas de 7,5% do servidor e 7,5% do governo, depende do tamanho da taxa de administração e das demais despesas administrativas, que são retiradas daquele valor de contribuição.

O PL 1992 é o início de uma ampla reforma da previdência?
QUEIROZ - Na verdade, é a conclusão da reforma iniciada no Governo FHC. Pelas regras atuais, enquanto não for implementada a previdência complementar, o servidor contribui com 11% sobre a totalidade de seu salário e o governo com 22% sobre esse mesmo montante, totalizando 33% para garantir a aposentadoria no futuro. Com tamanha reserva, é praticamente impossível não ter uma aposentadoria decente. Com a previdência complementar, em lugar de 33%, serão destinados à complementação da aposentadoria apenas 15% (7,5%do servidor e 7,5% do governo) e deste valor será retirado o dinheiro para contratar os benefícios de risco (invalidez e morte) e também as taxas de administração do fundo e as despesas de custeio, como a contratação de pessoal etc.




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