terça-feira, 23 de setembro de 2014

A principal informação da errata na Pnad*
Instituição que sempre privou de grande credibilidade e respeito, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nunca esteve tão em evidência como este ano - e pelos piores motivos. O fato é que a desastrosa errata em um dos principais trabalhos realizadas pela instituição, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) é a face mais visível e preocupante do que muitos têm apontado como um processo de sucateamento da instituição.
A presidente Dilma Rousseff contestou essa acusação com veemência ontem, mas os fatos deste ano indicam que talvez não seja uma questão de apontar e rebater erros, mas sim de fazer uma reflexão profunda e pensar estrategicamente o papel da instituição. Erros acontecem e alguns podem acreditar que foi apenas uma coincidência, mas o fato é que, após cortes de orçamento, elevação do número de funcionários temporários em detrimento dos efetivos e defasagem salarial, o IBGE atravessou 2014 mergulhado em uma grave crise.
Uma greve de grandes proporções, que veio na sequência da saída de duas diretoras dos seus cargos, em abril, revelou um clima muito difícil dentro da instituição e afetou estatísticas importantes, deixando a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) incompleta por meses a fio. No início deste mês veio ainda a notícia de que a verba de pesquisa do instituto para 2015 havia sido cortada para R$ 204 milhões, menos de um terço do valor inicial previsto, que era de R$ 766 milhões. Em 2006, o IBGE tinha um quadro efetivo de 7,6 mil funcionários e começou este ano com apenas 5,9 mil, enquanto os temporários aumentaram no mesmo período, de 1,9 mil para 4,4 mil. A carreira no instituto não tem o mesmo incentivo que em outras instituições. O salário inicial do IBGE no início deste ano era 30% menor do que no Instituto Nacional de Pesquisas Aplicadas (Ipea), por exemplo.
Uma errata da magnitude da que foi apresentada pelo IBGE na sexta-feira traz incertezas e deixa muitas perguntas em aberto. Um dado dessa importância não passa por uma, duas ou três checagens em seu processo de elaboração? Se isso não ocorreu foi por falta de pessoal ou de pessoal qualificado? O quanto o clima dentro da instituição está causando desmotivação nos funcionários e erros nos processos? Será que outros erros que não são passíveis de serem identificados por instituições externas não ocorreram em outras pesquisas, apesar do compromisso e da seriedade dos técnicos do IBGE?
O erro na Pnad é muito grave. Mas o que o torna ainda mais preocupante é que ele aparentemente pode não ter servido como alerta para que o governo olhe com mais atenção o processo pelo qual passa uma das instituições mais importantes do país e pense na responsabilidade que lhe cabe nesse episódio ao fazer contenção de gastos no IBGE. No fim de semana, a ministra Miriam Belchior criticou o erro e deu ênfase a apuração deste enquanto outros ministros tentaram evidenciar o lado positivo do equívoco na Pnad: em vez de subir, a desigualdade caiu. De fato, é uma boa notícia, que foi ofuscada, no entanto, pela evidência da crise que atravessa hoje o IBGE. Acreditar que a reversão de uma má notícia no dado de desigualdade do país é o principal ponto a ser notado na errata divulgada na sexta-feira é uma visão míope e um erro de estratégia do qual a maior vítima pode vir a ser a credibilidade das estatísticas nacionais.

* Matéria publicada no Valor Econômico Online (22/9/2014).

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