quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Ao eleitor do PT: um desagravo
Por Cynara Menezes
Não há ninguém, na atual crise de credibilidade por que passa o governo, que esteja recebendo mais bordoadas de todos os lados do que os eleitores do PT. Não me refiro exatamente à militância ou aos membros do partido, e sim aos cidadãos comuns que apostaram no PT ao longo dos últimos 26 anos, no mínimo, como a legenda capaz de tirar o País do atraso, da miséria, da desigualdade e do colonialismo. O eleitor do PT não tem nada a ver com este circo que se montou nos últimos anos, mas está pagando o pato assim mesmo. O que o eleitor do PT fez além de votar no PT? O nome dele não está em nenhuma investigação, ele não é alvo de delação premiada e não colocou as mãos nos cofres públicos nem para fazer caixa dois, até porque o eleitor é só um carinha que vota. No entanto, é chamado de “ladrão”, de “petralha”, é perseguido em passeatas, é espinafrado nas reuniões de família pelos parentes coxinhas e ridicularizado por velhos amigos nas redes sociais. Volta e meia é acusado de ganhar “pixuleco” do governo e até pão com mortadela para defender o partido, sendo que não é nem sequer filiado a ele.
"A mídia participa e coordena a campanha de difamação do eleitor do PT, ao pintá-lo como um ignorante sem estudo que só vota em quem vota por não saber o que faz, por ser do Norte/Nordeste — ou por receber dinheiro do governo"
Qual foi o erro do eleitor do PT? Do que pode ser acusado? De nada. Votou no PT assim como votaria em qualquer outro partido se acreditasse que seria o melhor para o Brasil. A maior qualidade dos eleitores do PT é justamente votar pensando não em si próprio, mas nos outros, em quem necessita mais das ações do Estado. Hoje, aliás, a única coisa que conforta o eleitor do PT é saber que pelo menos a promessa da inclusão foi cumprida. Que gente outrora pobre ascendeu à classe média; que mais negros e oriundos da escola pública entraram na universidade; e que já não tem tanta gente passando fome por aí como antes. Mesmo sabendo exatamente o que estava fazendo quando apertou o número 13 na urna, o eleitor do PT é chamado de “burro” por ter feito esta opção.
A mídia participa e coordena a campanha de difamação do eleitor do PT, ao pintá-lo como um ignorante sem estudo que só vota em quem vota por não saber o que faz, por ser do Norte/Nordeste — ou por receber dinheiro do governo. Foi graças ao preconceito de classe e de origem dos meios de comunicação para com o eleitor do PT que essa concepção de que a esquerda é capaz de vender sua ideologia por alguns caraminguás se disseminou na sociedade brasileira. Perdeu-se o respeito pelo que há de mais sagrado na política: o voto alheio. Ainda que fossem só os beneficiários do Bolsa Família os eleitores do PT, algo matematicamente improvável, este voto seria, ao contrário do que pregam, absolutamente consciente. Não existe voto mais consciente do que o de alguém que não tinha o que comer e que passou a ter comida na mesa: se isto aconteceu por causa de algum governante ou partido, é óbvio que vai querer continuidade.
Avanços sociais
Quem se sente feliz (e não incomodado) ao ver quem nunca estudou estudando, e quem nunca viajou de avião viajando, tampouco pode ser acusado de estar votan do iludido. Está votando porque acredita num determinado projeto de nação. Voto mais consciente, impossível. A situação começa a ficar até mesmo perigosa para o eleitor do PT. Outro dia um cara foi vaiado no avião por estar segurando uma revista considerada “simpática” ao PT. Uma senhora idosa foi chamada de “putinha do Lula” e de “vagabunda” por desafiar uma manifestação anti-Dilma em São Paulo vestida de vermelho.
Quem o cara do avião roubou para ser atacado? E a senhorinha de vermelho, pagou propina a alguma empreiteira? É perfeitamente compreensível a ira da classe média contra a corrupção. O problema é ser uma ira seletiva, contra um só partido, muito embora saibamos que quase todos participaram do butim e que quase todos estão afundados até o pescoço na lamentável forma como são feitas as campanhas políticas no Brasil. A oportunidade que se desenhava, desde o episódio do chamado mensalão, de “limpar” a política, se transformou, porém, numa cruzada para varrer o PT (e a esquerda) do mapa. Se não fosse assim, os pseudoapartidários das manifestações contra o governo também estariam perseguindo eleitores de outros partidos. Melhor ainda: não estariam perseguindo ninguém.
Da esquerda
Não bastassem os ataques da direita e da mídia, o eleitor do PT também sofre com os golpes desferidos pela esquerda. São chamados de “governistas” e acusados de concordar com todos os equívocos da atual administração federal. Alto lá! Votar em alguém não é assinar embaixo de tudo que a pessoa fizer. Votar é indicar um caminho e continuar lutando, pressionando para avançar. Sem pressão, os governos não chegam a lugar algum. Achar que haverá um governante com o qual concordaremos em tudo é uma fantasia. Mas o pior mesmo para o eleitor do PT é ser pisoteado, cuspido, perseguido e xingado, e não encontrar conforto na própria escolha que fez. Ser esculachado pela mídia, pela esquerda e pela direita não é nada perto da insatisfação crescente
do eleitor do PT com o governo que elegeu. O governo tem se esmerado em agradar aos mercados, aos banqueiros, aos latifundiários, aos empresários
e até ao PMDB, mas o que tem feito para agradar a seus próprios eleitores? O governo parece se esforçar, ao contrário, em desapontar quem votou nele. A tão esperada “guinada à esquerda” do segundo mandato de Dilma não se concretizou. Fala-se em um corte nos ministérios que irá atingir as pastas mais
caras a quem vota tradicionalmente no partido, como as secretarias de Direitos Humanos, das Mulheres e da Igualdade Racial. Dilma promete se juntar à defesa do imposto sobre grandes fortunas para acenar a este eleitorado mais fiel, mas este só acredita vendo.
Com tanto tiro, porrada e bomba, o eleitor do PT tem andado cabisbaixo, desenxabido, murcho. Muito menos pelos ataques que sofre por parte de gente cuja opinião não lhe importa a mínima do que pela falta de atenção que tem tido do próprio partido em que se acostumou a votar e que é, no final das contas, o principal responsável pela transformação deste eleitor num pária, num cidadão de terceira classe.


 Cynara Menezes é jornalista e editora do blog Socialista Morena (socialistamorena.com.br).

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